Como o Crowdfunding pode ajudar a reconstruir a indústria musical e a relação artista-fã

Música 8 de Mar de 2021

A frase que mais reverberou entre os corredores virtuais da indústria da música em 2020 foi:

A primeira a fechar, última a abrir.

Em um cenário ainda pandêmico, onde as informações e previsões de retomada são nebulosas, tal frase segue viva e assombrando milhares de artistas, técnicos, assistentes, casas de show, serviços diversos.

O cenário parece apocalíptico, mas a gente, assim como muitos Fazedores(as) e criativos(as) de todo Brasil, seguimos buscando aquela luz no fim do túnel, então esse artigo pretende te fazer começar a  pensar em um caminho possível conosco.

Nosso coração não é bola de cristal aqui na APOIA.se, mas estamos observando de perto o cenário e por conta disso gostaríamos de compartilhar com vocês - artistas e agentes da cena musical - algumas percepções sobre o futuro dessa indústria e as possíveis formas de remunerações desses trabalhos.

Um panorama sobre uma indústria que movimenta bilhões

No Brasil, os setores criativos, como cultura e eventos, movimentam aproximadamente  R$ 171,5 bilhões por ano, o equivalente a 2,61% de toda a riqueza nacional, empregando 837,2 mil profissionais.

Se olharmos somente para música, o maior montante do valor gerado se dá a partir de eventos presenciais, pois a gama de profissionais e serviços envolvidos é expressivamente maior do que no digital, então com o Coronavírus e o impedimento da atividade continuar, os impactos foram catastróficos para o setor.

Impactos da pandemia

Se olharmos para os dados, percebemos o tamanho do impacto e o quanto a cadeia da música estava alicerçando suas fontes de renda em apresentações presenciais.

Da pesquisa feita pela UBC em parceria com a ESPM com 883 pessoas ligadas diretamente ao mercado musical - como músicos, compositores, produtores e técnicos - pinçamos alguns dados que saltam aos olhos e vale a pena analisar.

Entre os entrevistados:

  • 56% trabalham unicamente com a música;
  • a esmagadora e resiliente maioria de 83% garantiu que seguirá na área
    preocupantes 30% disseram ter perdido toda a sua renda durante a pandemia:
  • Sobre a faixa de renda mínima para sobreviver, 44% disseram que precisam entre R$ 2 mil e R$ 3 mil mensais.
  • 75% dos respondentes acreditam que a internet melhorou a profissão do artista.

Esses dados demonstram que, mesmo sendo um recorte, mostra que a maioria das pessoas que trabalham com música no país, seguem resilientes (como sempre houve de ser) e veem na internet uma ferramenta para se reinventarem.

Depois da vacina, teremos certamente um lento retorno às atividades presenciais e ninguém sabe como o público vai se comportar, então inovar e diversificar o fazer da profissão torna-se uma manobra vital para seguir adiante nesse mar de incertezas.

O mais importante é olhar pro copo meio cheio e buscar alternativas!

Plataformas com monetização e controle de obras

Durante a pandemia a internet foi inundada por lives, recordes de lançamentos de músicas nas plataformas de streaming e mesmo assim a fatia do bolo para o artista segue diminuindo e não é suficiente para sustentar sua produção. Quer ver?

Quanto um artista ganha no Spotify, Apple Music e outros?

Serviço de streaming

Valor pago por reprodução (em dólar)

Spotify

0,00348

Apple Music

0,00675

YouTube Content ID

0,00022

Amazon Music Unlimited

0,01123

Fazendo uma conta rápida aqui:

Um artista precisa tocar 10.000 vezes para receber U$ 34 (dólares), que representam hoje algo em torno de R$ 190 (reais), na plataforma que melhor paga.

Se colocar mais um zero, tocando 100.000 ele arrecada U$ 348 (dólares), ou seja, R$ 1.948,80 e por aí vai.

Vamos combinar que isso é uma remuneração baixíssima e o que seriam dessas plataformas se não tivessem os artistas?

E o YouTube?

Aqui o buraco é mais embaixo, segundo matéria do Mundo da Música, o site de vídeos da Google paga US$ 0,0006 por stream e aqui o cenário financeiro é tão escasso para o artista que nem vou fazer o cálculo.

Mas ficaram curiosos, enquanto 212 milhões de usuários de serviços de streaming como Spotify e Deezer geram US$ 3,9 bilhões de receita, os 900 milhões de pessoas que consomem música no YouTube rendem US$ 553 milhões.

Esse é o chamado “value gap”: a diferença de valor que o YouTube paga por stream aos compositores em relação a outras plataformas.

Em depoimento ao jornal O Globo, a cantora e compositora Roberta Dittz desabafa:

Não existe renda pra gente - O que estamos tentando fazer é manter nossas redes sociais ativas, lançando vídeos semanais no YouTube, mas isso não significa que estamos conseguindo rentabilizar.

Como viver de música durante a pandemia

A boa notícia é que sempre que temos uma crise em grandes mercados, como o da música, surgem também grandes oportunidades.

E o que estamos vendo é uma aceleração do mercado brasileiro para o digital. Finalmente!

Com isso a relação com o público também muda e entramos na cultura da participação.

Enquanto vemos plataformas de streaming cada vez mais acessíveis para o público e com catálogos cada vez mais robustos, se percebe que o modelo financeiro segue privilegiando os grandes players e o artista, recebendo cada vez menos.

O que não muda é que os fãs seguem sendo fãs e eles querem que seus ídolos sigam produzindo e criando, por isso, o financiamento coletivo se torna novamente protagonista, ajudando a monetizar a carreira artística e ainda gerar relações ganha-ganha.

Em entrevista recente a União Brasileira de Compositores (UBC), Fabiana Batistela, a diretora da SIM-SP, maior feira de música do Brasil, afirma que:

"O mais justo seria que os fãs pagassem pequenos valores pelo conteúdo, para sustentar, inclusive, a produção artística. Se ele gosta de um artista, a única forma de fazê-lo continuar criando é que ele seja remunerado para isso."

Presença no digital: alô comunidade!

A maior recomendação que temos percebido, entre diversas lives, cursos e artigos que absorvemos de profissionais do mercado musical e fazedores da nossa plataforma, é que o artista busque uma estratégia de presença digital, nutrindo sua comunidade de fãs de forma recorrente, mais autêntica e participativa.

Uma dessas formas tem sido o financiamento coletivo recorrente, que permite que os público apoie artistas e acessem recompensas que podem aproximar ambos, pois a relação muda da lógica do consumo para uma lógica de parceria a longo prazo.

Então faz todo sentido que a presença digital tenha estratégia ancorada no tipo de comunidade que se busca e qual maneira vai se dar essa comunicação.

Algo que pode ajudar no fluxo de informação é organizar questões cruciais nessa comunicação para não perder o mão da comunidade, afinal ela é um organismo vivo e complexo:

  • Categorias - identificar perfis de pessoas mais engajadas das menos engajadas; que gostam de conteúdos em áudio ou vídeo; mais frequente, menos frequente; e por aí vai.
  • Conteúdo - diversificar conteúdo para os diferentes perfis mapeados; sua comunidade também vai criar e co-criar, então esteja aberto a isso.
  • Comunicação - como um organismo vivo, é importante estar atento às demandas da comunidade e ouvir (muito!) para poder corrigir a rota.
  • Curadoria - analisar se sua curadoria tem sido interessante para comunidade e trazer dinamismo, afinal tudo muda o tempo todo.

Crowdfunding para músicos: passando chapéu ou inovando a relação com seu fã?

O Crowdfunding pode parecer ainda para muitos como algo simples como uma vaquinha solidária, um chapéu para arrecadar grana para um projeto, mas atualmente o que estamos vendo no mundo é uma renascença do modelo de mecenato, quebrando paradigmas e trazendo independência financeira e uma nova relação fã-ídolo.

Frente a tudo que trouxemos de dados, as mudanças na comunicação, a cultura da participação e a dificuldade de músicos terem uma boa remuneração em plataformas de streaming, o Crowdfunding mensal traz uma luz no fim do túnel para ancorar financeiramente a classe artística.

Já estamos assistindo esse movimento na APOIA.se, onde fãs apoiam mensalmente a produção artística de seus ídolos e com isso acessam recompensas que aproximam ambos, como esses exemplos:

  • Balacava - Revista impressa sobre música independente:
Revista Balaclava
  • Thom Verardi - Lançou seu EP na pandemia e conseguiu manter sua produção.
  • Sebastianismos - Abriu seu clube de apoio para sustentar seu fazer artístico e produção de conteúdo.

No blog da Sonar Cultural, empresa de Dani Ribas, uma autoridade em dados para o mercado da música, ela traz uma análise de Mark Mulligan, pesquisador do setor musical da MIDiA Research. Ele traça um alerta para indústria musical, trazendo a importância da independência dos artistas de grandes empresas como Spotify, Youtube e grandes gravadoras, na construção de seu futuro:

É crucial que artistas, gravadoras, compositores e editores tenham um papel ativo em conduzir o navio para o futuro, ao invés de simplesmente serem puxados pela maré.

Autor: Bruno Melo

Head de Sucesso da Comunidade e Produtor Cultural - especializado em música


Fontes:

Estadão: Quanto um artista ganha com streamings

Souza Lima: Como tem sido a rotina dos músicos em meio a pandemia.

DW:  O impacto da Covid-19 na indústria musical da África

Assembléia Legislativa Espírito Santo:Pandemia: entretenimento amarga prejuízos

DW: "Ninguém vai paralisar o artista", diz Bárbara Paz

Reformer: Art collective looks to rent warehouse, fulfill dream

Candgnews: The Beats Go On raises over $400,000 for local musicians

Tenho Mais Discos Que Amigos: Quais os números do mercado da música e como usá-los a meu favor?

Sonar Cultural: Mercado musical e produção de conteúdo: uma dependência nociva

UBC: O que será da música em 2021?


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